Ninguém ousa duvidar da capacidade da Patrícia, que tem só 19 anos, mas monta caminhões que nem gente grande. Ninguém ousa duvidar da capacidade da Cristina, nem da Daniela, nem dos outros 12 mil operários e operárias da fábrica da Mercedez, em São Bernardo do Campo.
Três décadas depois da célebre sentença proferida pelo então então líder das históricas greves do ABC – “Que ninguém, nunca mais, ouse duvidar da capacidade da classe trabalhadora brasileira” – a verdade é que ninguém ousa duvidar da capacidade da classe trabalhadora brasileira. Afinal, como duvidar de uma gente que fabrica caminhão e governa e constrói um país melhor?
São 5h30, o dia ainda nem amanheceu, e já está de pé, no alto do carro de som, o torneiro mecânico e líder sindical que envelheceu 30 anos, branqueou o cabelo e a barba e virou presidente da República, mas nunca esqueceu de onde veio. Na fila da frente, olhos, ouvidos e corações atentos, lágrimas a muito custo contidas, velhos companheiros de luta: Gijo, Wagner Lino, João Cardoso Profeta... Gente que enfrentou a ditadura, apanhou da polícia, perdeu o emprego, correu perigo de vida. Gente que, mais do que reajustes salariais e melhores condições de trabalho, lutou pela democracia, pela liberdade. Mais atrás, no meio da peãozada que se aglomera no pátio da Mercedez, a presença maciça de mulheres metalúrgicas: Patrícia, Cristina, Daniela... Herdeiras da luta dos que vieram antes – mas também lutadoras, todas elas.
As duas gerações de operários e operárias vieram rever o companheiro de profissão e luta. Elegeram o primeiro operário presidente. Agora, querem eleger a primeira mulher presidente. Mas é outra mulher, Marta Suplicy, prestes a se tornar a primeira senadora pelo estado de São Paulo, quem explica o sentido desta inusitada assembleia de porta de fábrica: trata-se, na verdade, de um ritual de passagem. “O Lula trouxe a Dilma aqui porque ela não pode se tornar presidente do Brasil sem antes olhar nos olhos dos trabalhadores e das trabalhadoras do ABC”.
O dia amanhece, e Dilma olha nos olhos dos trabalhadores e das trabalhadoras. Em seguida, anuncia por que veio: “Vim assumir com vocês o mesmo compromisso que o presidente Lula assumiu”. Não é um compromisso fácil, avisa Lula, logo em seguida. Mas não existe compromisso mais sincero no mundo: “Esses companheiros e essas companheiras, Dilma, eles exigem, eles cobram muito da gente. Mas são os primeiros a ajudar quando a gente precisa. Não existe lealdade maior do que a deste povo”.
Lula sabe do que fala. Fala do que sente. Está em casa, no meio do seu povo. O menino pobre de Garanhuns renasceu líder operário aqui, nesses chãos de fábrica; também aqui, nesses mesmos chãos de fábrica, o líder operário começou a nascer presidente da República. “Muita gente morreu lutando pela democracia. Mas a verdade é que a democracia começou a ser construída em 1978, quando a peãozada do ABC se levantou contra a ditadura”, lembra Lula. Gijo, Walter Lino, João Cardoso Profeta, os companheiros de luta, orgulham-se do passado e veem com satisfação o presente da classe trabalhadora.
Patrícia, Cristina, Daniela, as herdeiras da luta, se orgulham do presente e têm os olhos postos sobre o futuro. “Vejo uma cabine de caminhão passando na rua e penso: Fui eu que fiz”, conta a montadora Patrícia, que só tem 19 anos e começou aos 16, como aprendiz. “E o orgulho é ainda maior porque antes, no tempo do Lula, não havia mulheres trabalhando em montadoras, nós estamos conquistando esse espaço. Agora é trabalhar e estudar para ser engenheira.” “Levanto todos os dias às 4h30, com um sorriso de orelha a orelha”, sorri, de orelha a orelha, a também montadora Daniela Hungria. “E eu sei que estou aqui, conquistando meu próprio sustento, minha independência, graças ao Lula, à geração do Lula. Ele foi do chão de fábrica, conhece a nossa linguagem, sabe o que a gente sente”. “Sempre sonhei ser metalúrgica”, lembra a operadora de máquinas Cristina Aparecida Neves. “Passei dez anos tentando, e só consegui em 2004, graças ao governo do meu colega Lula, quando as montadoras, em vez de demitir, passaram a admitir.”
Felizes, Patrícia, Cristina e Daniela vão começar mais uma jornada de trabalho. Primeiro, vão abraçar o operário presidente e a mulher presidente. Mas antes, a caçula Patrícia faz questão de deixar um recado: que ninguém, nunca mais, ouse duvidar da capacidade da mulher brasileira. “Ora, a mulher é capaz de fazer superbem tudo o que ela quiser. A gente já faz caminhão; agora a gente vai governar o Brasil.”
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