quinta-feira, 9 de setembro de 2010

Mário Prata fala sobre leitura e imprensa (*)



Mario Alberto Campos de Morais Prata. Mario Prata. Escritor, jornalista, mineiro, simpático, antipático, inteligente, sarcástico. Gentil, educado, escrachado. Quem não conhece Mario Prata? Ele esteve em Natal na semana passada participando do IV Seminário Potiguar Prazer em Ler e concedeu entrevista ao Diário de Natal. Era fim de tarde quando Mario recebeu a equipe na entrada do hotel. Falando devagar, criticou a imprensa brasileira, reconheceu que já escreveu fracassos e afirmou que para as crianças começarem a ler é preciso indicar livros apropriados para a idade delas.



Existe uma razão para se ler tão pouco no Brasil atualmente?

Eu tenho uma teoria a respeito disso: a minha geração dos anos 60 foi a última que morou em casa onde se lia. Nossos pais liam muito, eu tropeçava em livros, minha mãe lia muito, meus tios, todo mundo tinha livros. Hoje, as pessoas que estão com 15, 16, 17 anos não têm livros em casa, os pais não têm livros em casa, não é que não lêem, eles nem tem livros em casa, ninguém tem mais aquelas estantes. Quando eu era criança, no quarto da gente tinha estante. Isso foi sumindo. A minha teoria é que isso coincide com a unificação do vestibular, em 66 ou 67. Até então, cada curso tinha um vestibular. Quando unificou, há meio século, resolveram que o vestibular ia ser português, matemática, física, biologia e química. Então, há 50 anos o garoto precisava ler livros de biologia, química, física e Camões ou Eça de Queiroz, para entrar na faculdade, nivelou. Aquilo ali é para entrar na faculdade, ele é obrigado a ler aquilo ali tudo. Aí ele entra na faculdadee diz 'nunca mais leio'. E essa geração já está com 60 anos. Esses que não leram são pais desta geração que não lê agora, e na casa dele não tem livro.

O que precisa ser feito para as crianças lerem mais?

Indicar livros adequados, isso já é um começo. E não ter que ler e na outra semana fazer um resumo de trinta linhas. Eu estava vendo a relação de livros que estão sendo indicados para os garotos daqui de Natal e é genial. Tem só um Saramago no meio, só que eu vou mandar tirar, Saramago já é demais. Mas tem livros muito bons de autores como Ruth Rocha, Gabriel Rubem Alves, Marina Colasanti, Ziraldo, e por aí vai.

A leitura de best sellers internacionais é um problema para os escritores brasileiros?

O que é desesperador para nós, escritores, no momento são os vampiros. O brasileiro está lendo por modismo. Você deve se lembrar que quando saiu o livro "O Caçador de Pipas" houve um enxame de livros orientais, só tinha aquilo. O da Pipa era bom, mas só veio merda depois dele. Virou moda e isso durou uns dois, três anos. Você vai numa livraria hoje e só vê roxo, aquele roxão das capas dos livros de vampiro. É triste. A gente ficou de março até agora sem ter nenhum brasileiro entre os 10 mais vendidos, entrou agora o Paulo Coelho que também é meio vampiro. Apesar de ser uma ótima pessoa, eu gosto muito dele como pessoa, mas é meio vampiro (risos).

E aquela história que todo mundo fala que não lê mais porque livro no Brasil é caro?

Quantas pessoas cabem no Machadão? 40 mil. Um América e ABC dá 40 mil pessoas lá. O ingresso custa R$ 40. Tem gente que vai quatro vezes por mês no futebol e não compra quatro livros por ano. O livro custa R$ 39,90, tem livro de R$ 30, de R$ 20. Então, é desculpa. Pouquíssimos livros no Brasil vendem 40 mil exemplares, e estádio todo domingo tem cinco ou seis lotados no Brasil. Então, essa desculpa não cola.

Sobre o fim da versão impressa do Jornal do Brasil, teria a ver com a internet?

Não tem nada a ver. A triste decadência do JB é uma coisa de mais de 20 anos, é de antes da internet. Não teve absolutamente nada a ver, nem de ter acelerado a coisa. Eu não tenho nenhum dado científico, mas o que eu sei é que o JB vinha aos trancos e barrancos há mais de 20 anos. Eu já trabalhei no Última Hora, que também fechou e é triste porque foram jornais importantes. É triste porque você fica sempre lembrando aquele clima da redação, que é muito forte, diferente das redações de hoje, que são muito frias. Os jornais naquela época eram feitos quase que exclusivamente por repórteres, que é uma coisa que não existe mais, não tem mais repórter no Brasil. Eu sempre digo que o último repórter que eu acho que tem no Brasil é o Caco Barcellos, é o cara que investiga, que consegue do jornal semanas, meses, anos para fazer uma matéria. Hoje em dia não se tem vontade, não tem mais aquela coisa do diretor de redação acreditar numa investigação.

Você coloca todos no balaio?

Coloco todo mundo no mesmo balaio. A imprensa brasileira está podre. Os grandes jornais, as coisas que são consideradas grande imprensa no Brasil como Folha de S. Paulo, Globo, Estadão, Jornal Nacional, Veja, para mim são piadas. Todos esses que eu citei tem ódio do Lula, é um ódio doentio, é uma coisa que me dá medo. Outro dia peguei o Estadão e tinha oito chamadas na capa falando mal do governo, algumas coisas que ocorreram há sete anos. Meu filho casou-se agora com uma repórter da editoria de política do Estadão, e o Serra ligou pra ela antes do casamento. "Julia, eu soube que você vai se casar, mas você não vai ter lua de mel, né? Você não pode ter lua de mel agora". Por aí você vê como Serra está dentro do jornal.

Nenhuma vontade de voltar a atuar como jornalista?

Eu gostaria de voltar a escrever crônica. Eu estou há cinco anos fora da imprensa. Como fiquei treze anos no Estadão escrevendo crônicas, sinto falta porque eu continuo escrevendo elas na cabeça, sem publicar. Mas tirando a Veja - que eu acho que é doente demais - qualquer um desses lugares que eu falei pra você, se me chamassem para trabalhar, eu iria.

De toda sua produção, há obras que você não gosta?

Claro. Não só tem coisas que eu não gosto, como já escrevi grandes fracassos. A vantagem no Brasil é que o fracasso não faz sucesso. Tem alguns livros que eu não gosto e muitas crônicas. Durante muitos anos escrevi três crônicas por semana que eram publicadas em veículos diferentes. Era uma loucura você fazer três por semana, quase impossível, então, escrevi muita merda# E se você perguntar para qualquer escritor honesto, ele vai dizer que sim, que tem coisas dele que não gosta. Tenho dois livros que não resultaram legal, aliás, os dois únicos livros que eu fiz por encomenda. Um se chama Cinco dedos de prosa. Não foi um fracasso de venda, mas minha opinião é de que não é bom. E o outro é O Diario de Um Mago II, que foi uma picaretagem.

Você carrega alguma culpa?

Há muito tempo já existiu culpa. Acho que em 72, 73, Chico Buarque e eu tivemos uma amizade diária e a gente estava tentando fazer um musical infantil, mas a gente só bebeu e ficou só no título. A gente estava lá na casa dele tomando uma caipirinha e os discos dele estavam tocando em todo lugar e vendendo nas lojas, dá uma culpa# mas já superei.

(*) Entrevista concedida a Fernanda Zauli // fernandazauli.rn@dabr.com.br  para o Diário de Natal

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